terça-feira, 13 de janeiro de 2009

"Quando dei acordo de mim, Emília estava a meus pés. Sem sentir, eu lhe travara os pulsos e a prostrara de joelhos diante de mim, como se a quisera esmagar. Apesar da minha raiva e da violência com que a molestava, essa orgulhosa menina não exalava um queixume; soltei-lhe os braços magoados e ela caiu com a fronte sobre a areia.
– Criança!... E louca!... Murmurei afastando-me.
Emília arrastou-se de joelhos pelo chão. Apertou-me convulsa as mãos, erguendo para mim seu divino semblante que pranto orvalhava.
– Perdão!... soluçou a voz maviosa. Perdão, Augusto! Eu te amo!...
Seus lábios úmidos de lágrimas pousaram rápidos na minha face, onde a sua mão não tinha tocado. E ela ali estava diante de mim, e sorria, submissa e amante.
Fechei os olhos. Corri esvaporido, fugindo como um fantasma a essa visão sinistra.
XX

Sim, Augusto, eu te amo!... Já não tenho outra consciência de minha vida. Sei que existo, porque te amo.
Naquele momento, de joelhos a teus pés, essa grande luz encheu meu coração. Acabava de ultrajar-te cruelmente; detestava-te com todas as forças de minha alma; e de repente todo aquele ódio violento e profundo fez-se amor! Mas que amor!Desde então me sinto inundada por este imenso júbilo de amar. Minha alma é grande e forte; guardei-a até agora virgem e pura; nenhuma emoção fatigou-a ainda. Entre tanto receio que ela não baste para tanta paixão. É preciso que eu derrame em torno de mim a felicidade que me esmaga.
Por que me fugiste, Augusto?... Segui-te repetindo mil vezes que te amava; confessei-o a cada flor que me cercava, a cada estrela que luzia no céu. Minha alma vinha aos meus lábios para voar a ti nesta abençoada palavra, – eu te amo! Tudo em mim, meus olhos cheios de lágrimas, minhas mãos súplices, meus cabelos soltos, se tivessem uma voz, falariam pra dizer-te – ela te ama!
Beijei na areia os sinais de teus passos, beijei os meus braços que tu havias apertado, beijei a mão que te ultrajara num momento de loucura, e os meus próprios lábios que roçaram tua face num beijo de perdão.
Que suprema delícia, meu Deus, foi para mim a dor que me causavam os meus pulsos magoados pelas tuas mãos! Como abençoei este sofrimento!... Era alguma cousa de ti, um ímpeto de tua alma, a tua cólera e indignação, que tinham ficado em minha pessoa e entravam em mim para tomar posse do que te pertencia. Pedi a Deus que tornasse indelével esse vestígio de tua ira, que me santificara como uma cousa tua!
Vieram encontrar-me submergida assim na minha felicidade. Interrogaram-me; porém eu só ouvia os cânticos de minha alma cheia de melodias do meu amor. Não lhes falei, com receio de profanar a minha voz, que eu respeito depois que ela te confessou que eu te amo. Não deixei que me tocassem para não te ofenderem no que é teu.Quero guardar-me toda só para ti. Vem, Augusto: eu te espero. A minha vida terminou; começo agora a viver em ti.
Tua Emília."




José de Alencar - Diva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário